quarta-feira, 22 de julho de 2009

Alta tecnologia limita alcance de celulares japoneses


À primeira vista, os celulares japoneses são o sonho de qualquer pessoa que aprecie os aparelhos eletrônicos: dotados de capacidade de acesso à Internet e a serviços de e-mail, eles também fazem o papel de cartões de crédito, passes de embarque em aviões, passagens de trem e metrô e até de calculadoras de índice de gordura corporal.

Mas é difícil encontrar uma pessoa em Chicago ou Londres que empregue um celular japonês, como os produzidos pela Panasonic, Sharp ou NEC. A despeito de anos de tentativas não muito intensas de ingressar nos mercados internacionais, os fabricantes japoneses de celulares não conquistaram grande penetração fora de seu país.

"O Japão está anos à frente do restante do mundo no que tange a qualquer inovação, em telefonia móvel. Mas não conseguiu fazer dessa vantagem um negócio lucrativo", disse Gerhard Fasol, presidente da Eurotechnology Japan, uma consultoria de tecnologia da informação sediada em Tóquio. Os japoneses têm um nome para o problema que seus celulares enfrentam fora do país: a Síndrome das Galápagos.

Os celulares japoneses são como as espécies endêmicas que o naturalista Charles Darwin encontrou em sua viagem às ilhas Galápagos: fantasticamente evoluídos e bastante divergentes de seus primos nos continentes, explica Takeshi Natsuno, professor na Universidade Keio, em Tóquio. Este ano, Natsuno, que desenvolveu um popular serviço de Internet sem fio chamado i-Mode, reuniu alguns dos melhores cérebros do ramo da telefonia móvel para debater de que maneira os celulares japoneses poderiam encontrar sucesso mundial.

"A coisa mais espantosa sobre o Japão é que o mais comum dos cidadãos do país decerto conta um modelo altamente avançado de celular", disse Natsuno. "Portanto, a pergunta que estamos nos fazendo é de que maneira o Japão poderia tirar vantagem desse diferencial". O único fabricante japonês de celulares com participação significativa no mercado internacional é a Sony Ericsson, e a empresa funciona como uma joint venture sediada em Londres. Os sócios são o grupo eletrônico japonês Sony e a Ericsson, da Suécia, fabricante de equipamentos para telecomunicações.

E a Sony Ericsson sofreu sérios abalos devido aos prejuízos volumosos que vem acumulando. A participação de mercado do grupo caiu a apenas 6,3% do total mundial no primeiro trimestre de 2009, o que a deixa atrás da finlandesa Nokia, das sul-coreanas LG e Samsung e da norte-americana Motorola.

A falta de influência dos celulares japoneses no mercado mundial é ainda mais surpreendente porque os modelos vendidos no país estabeleceram paradigmas para quase todas as inovações desenvolvidas para o setor: eles passaram a oferecer capacidade de acesso a e-mail já em 1999; os celulares com câmera surgiram no país em 2000; a telefonia móvel de terceira geração (3G) está disponível no Japão desde 2001; download completo de música é possível desde 2002; recursos de pagamento eletrônico via celular estão em uso desde 2004; e os celulares japoneses recebem transmissões digitais de TV desde 2005.

O Japão conta com 100 milhões de usuários de celulares inteligentes de terceira geração, um total duas vezes superior ao dos Estados Unidos, mercado muito mais amplo que o japonês. E muitos japoneses utilizam os celulares, e não os computadores, como forma preferencial de acesso à Internet.

De fato, os fabricantes japoneses imaginavam que se haviam posicionado de maneira a dominar a era dos dados digitais móveis. Mas as empresas do setor no Japão tentaram ser espertas demais, e o desenvolvimento do setor no país se distanciou cada vez mais das tendências internacionais. Nos anos 90, o setor japonês de telefonia móvel adotou um padrão para serviços de segunda geração que terminou rejeitado em todos os demais países.

As operadoras de telefonia móvel criaram serviços fechados de acesso à Internet via celular, como o i-Mode. Esses universos isolados fomentaram o desenvolvimento de imensos mercados de comércio eletrônico e conteúdo móvel no país, mas também agravaram o isolamento cada vez maior em que o Japão vivia com relação ao mercado mundial mais amplo.

E os japoneses decidiram adotar um padrão para a telefonia móvel de terceira geração muito rapidamente, já em 2001. Os demais países do mundo optaram por esperar, o que na prática significava que os aparelhos japoneses eram avançados demais para a maioria dos mercados. Ao mesmo tempo, o rápido crescimento que o mercado da telefonia móvel registrava no final dos anos 90 e no começo dos 2000 não oferecia muito incentivo para que as fabricantes de celulares do país promovessem fortes esforços para comercializar seus produtos no exterior.

Mas agora o mercado do país está sofrendo uma dolorosa e significativa contração, devido à recessão e ao envelhecimento da população; os fabricantes venderam 19% menos celulares em 2008, e em 2009 a expectativa é de que a queda continue. A indústria continua fragmentada, com oito fabricantes de celulares lutando por participação em um mercado que verá a venda de menos de 30 milhões de unidades este ano.

Há diversas empresas japonesas que, por isso, estão agora considerando esforços para promover seus produtos nos mercados internacionais, entre as quais a NEC, que já teve uma divisão internacional de celulares mas decidiu fechar a unidade em 2006 porque ela vinha acumulando prejuízos. Panasonic, Sharp, Toshiba e Fujitsu também estão planejando avanços semelhantes, de acordo com rumores do mercado.

"As fabricantes japonesas de celulares têm conquistar o mercado exterior ou se verão forçadas a deixar o negócio", disse Kenshi Tazaki, vice-presidente executivo da consultoria Gartner Japan. Em uma recente reunião do grupo formado por Natsuno, 20 homens e uma mulher sentados a uma grande mesa de conferências em um arranha-céu no centro de Tóquio estavam estudando dados de mercado. A avaliação dos números era acompanhada por queixas sentidas, e por meneios de cabeça pessimistas.

A discussão do grupo em seguida passou a girar em torno dos celulares em si. A despeito do equipamento avançado em termos tecnológicos, os celulares japoneses muitas vezes contam com interfaces de uso toscas, primitivas, apontaram alguns dos participantes. A maioria dos celulares não oferece maneira simples de sincronizar dados com um computador pessoal, a exemplo do fazem o iPhone e outros celulares inteligentes do mercado internacional.

Porque cada modelo de celular japonês é projetado com uma interface específica, o desenvolvimento é demorado e dispendioso, disse Tetsuzo Matsumoto, vice-presidente executivo sênior da Softbank Mobile, uma das grandes operadoras japonesas de telefonia móvel. "Os celulares japoneses são todos 'feitos à mão', do zero", ele diz. "Isso é o cúmulo".

E existem também as peculiaridades do mercado japonês, como por exemplo o uso quase exclusivo de celulares com tela articulada, uma característica que é bem menos popular fora do país. Recentes inovações na tecnologia utilizada, como por exemplo modelos à prova de água ou equipados com baterias recarregáveis por energia solar, representam melhoras graduais mas não grandes inovações.

A ênfase nas capacidades técnicas que os aparelhos precisam apresentar significa que alguns dos celulares japoneses são surpreendentemente volumosos. Alguns analistas afirmam que as operadoras de telefonia móvel do país sufocam a inovação, ao exigir que os celulares sejam capazes de realizar grande número de funções periféricas.

O Sharp 912SH, para a rede da Softbank, por exemplo, vem equipado com uma tela de cristal líquido que pode ser girada em até 90°, um sistema de rastreamento por GPS, um leitor de código de barras, recepção de TV digital, funções de cartão de crédito, recursos de videoconferência e uma câmera, e o sistema de trava de segurança funciona por reconhecimento facial.

E enquanto isso os criadores japoneses de celulares sentem ciúmes da imensa popularidade mundial do Apple iPhone e da App Store, que propeliram o setor ocidental de celulares mais ao software do que ao hardware. "Era exatamente esse tipo de celular que eu queria fazer", disse Natsuno, brincando com seu iPhone 3G.

O conflito entre o hardware avançado e o software primitivo dos celulares japoneses gerou alguma confusão, e ninguém sabe ao certo se os japoneses consideram o iPhone como tedioso ou revolucionário. Um analista diz que os usuários do país simplesmente não estão acostumados a um celular que se conecta ao computador.

O grupo criado por Natsuno para combater a "síndrome das Galápagos" desenvolveu uma série de recomendações: os fabricantes japoneses de celulares precisam se concentrar mais no software e ser mais agressivos em atrair talentos estrangeiros, e as operadoras de telefonia móvel do país também deveriam pensar no mercado internacional.

"Não é tarde demais para que o setor japonês de telefonia móvel se volte ao exterior", disse Tetsuro Tsusaka, analista de telecomunicações na Barclays Capital Japan. "Além disso, a maioria dos celulares fora das Galápagos são tão básicos".

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